13 setembro, 2011

Jorge Amado e sua trilogia desconhecida

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Ditadura do Estado Novo, década de 1930. É a partir desse período que Jorge Amado narra a resistência ao governo fascista de Getúlio Vargas e segue até 1957, ano de conclusão da obra.
Uma das obras injustamente menos conhecidas do autor, Os Subterrâneos da Liberdade é uma trilogia. A história é narrada com toda a graça, leveza e poesia do autor.
Uma extensa gama e personagens compõe uma trama que trata desde o drama particular de Mariana em suas tarefas diárias, até Manoela e seu pensamento pequeno-burguês que a conduz a um mundo lindo, luxuoso e podre ao mesmo tempo. A greve dos estivadores de Santos, a solidariedade dos soldados duramente reprimida, a questão do latifúndio, metaforizada no Venancio Florival e na luta de José Gonçalo, a guerra dos republicanos contra os falangistas na Espanha, que conta com reforços de comunistas de todos os partidos organizados do mundo.
Embora tenha mudado os nomes, a riqueza de detalhes e a descrição do contexto histórico da época, bem diverso do que costumamos ver nos livros de história ou nas matérias de jornal, é uma narração surpreendente sobre parte da história da resistência dos trabalhadores contra a ditadura de Vargas. O Partido Comunista do Brasil é retratado em sua época de combatividade, bem diversa do que se vê hoje, com sua linha política totalmente deturpada.
“Metida tenho a mão na consciência / e não falo senão verdades puras / que me ensinou a viva experiência” é com a epígrafe de Camões que Jorge Amado inicia essa emocionante história, que mostra uma face pouco conhecida do povo brasileiro. Apesar de não conhecer publicações atuais da obra, indico os sebos.
Abaixo, um trecho do segundo volume:
“Branco soldado Antonio; Manuel, mulato pardo; negro, negro de carvão, era o soldado Romão. Eram em Santos três soldados de baioneta calada.
Antonio, branco soldado, fora antes fundidor. Amava o clarão do fogo, da sua forja o calor. No quartel era calado, em que Antonio pensava?
Em sua forja pensava, em sua filha também: tinha dois anos e meio e os meigos olhos do pai. Em sua mulher pensava Antonio com seu fuzil.
Eram em Santos três soldados de baioneta calada.
Manuel, mulato pardo, labutava em terra alheia antes de vir soldado ser. Na tropa aprendera a ler, outras coisas aprendera.
Sonhava um dia ter terra, trabalhar em terra sua, não labutar terra alheia. Não tinha noiva, mas tinha velha mãe em quem pensar. Era nela que pensava Manuel com seu fuzil.
Negro, negro de carvão, era o soldado Romão. Antes fora estivador no longo cais da Bahia. Gravado no peito estava o nome de sua noiva, que se chamava Maria.
Em sua noiva pensava e no verde do mar da Bahia. E nas tardes cantava sentado com seu fuzil.
Branco soldado Antonio; Manuel, mulato pardo; negro, negro de carvão era o soldado Romão. Eram em Santos três soldados de baioneta calada.
Antonio leu um papel, circulava entre os soldados, de mão em mão, escondido. ‘Soldado, que fazes tu?’, o papel lhe perguntava. ‘Vais teu fuzil apontar contra os grevistas de Santos, teus irmãos trabalhadores?’.
Tinha sido fundidor, de greve participara, um dia voltar queria ao calor de sua forja. Pensava o soldado Antonio ao lado do seu fuzil.
Achou em sua cama um papel, o mulato pardo Manuel. Alguém o pusera ali, nas outras camas também. ‘Soldados e camponeses, operários, marinheiros, oprimidos todos são’. ‘Soldado, que vais fazer, vais teu fuzil disparar contra os pobres como tu?’.
Labutava terra alheia, era o mais pobre dos pobres. Contra os pobres? Disparar? Manuel lança um olhar ao seu pesado fuzil.
Eram em Santos três soldados, de baioneta calada.
Um papel deram a Romão, muitos outros circulavam de mão em mão no quartel. ‘Soldado, vais obrigar os estivadores de Santos a trabalhar pros fascistas?’. ‘Vais usar o teu fuzil pra derramar nosso sangue, o sangue dos teus irmãos?’. ‘Soldado, que fazes tu?’.
Tinha sido estivador, no longo cais da Bahia. Entre os soldados saiu o soldado negro Romão. Largou no chão seu fuzil.
Eram em Santos três soldados de baioneta calada. Muitos soldados em Santos, de baioneta calada.
Começaram carregando um navio com café. Soldado é pra guerrear, onde foi que já se viu navios carregar? Mas pior era amanhã, um oficial tinha dito: ‘Meter o fuzil no peito dos estivadores em greve, pro trabalho os conduzir, no trabalho os vigiar’.
Eram em Santos três soldados de baioneta calada.
Muitos soldados em Santos, todos lêem o seu papel: ‘Soldado, que vais fazer? Vais teus irmão obrigar a trabalhar pros fascistas? Soldado, não faça não!’.
Conversaram no quartel, ‘Soldado, não faça não!’, longo tempo discutiram, ‘Soldado, não faça não!’, como podiam fazer? ‘Soldado, não faça não!’, decidiram não fazer, soldado é pra guerrear.
Eram em Santos três soldados de baioneta calada.
Muitos soldados em Santos, todos lêem o seu papel: ‘Soldado, não faça não!’
Quando soube o coronel, contado por um tenente, dos resmungos dos soldados, meteu na cinta o revólver, se encaminhou para o quartel.
Os soldados resolveram sortear quem entre eles com o coronel falaria. O primeiro foi Antonio, Manuel foi o segundo. Não sortearam o terceiro: tinha sido estivador no longo cais da Bahia, por isso se apresentou para ir como terceiro o soldado negro Romão.
Nem começaram a falar.
Eram em Santos três soldados de baioneta calada. Branco soldado Antonio; Manuel, mulato pardo; negro, negro de carvão o soldado Romão.
Eram em Santos três soldados, os três num muro encostados. Branco soldado Antonio; Manuel, mulato pardo; negro, negro de carvão era o soldado Romão. Vermelho de sangue dos três, dos três soldados de Santos.
Eram em Santos três soldados, vermelho de sangue dos três!”
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Produtora cultural, blogueira, nômade urbana e autodidata.

1 comentários:

  1. Obra magistral, a ditadura fascista de Vargas é pano de fundo pra mostrar o principal , que é a obstinação a fé inquebrantável dos comunistas na luta pela vitória!

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